sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Ascendente em escorpião

Ela ainda conseguia ouvir o barulho do zíper se abrindo. Aquele vestido que ele tanto gostava. Agora já devia estar em outra parte, tirando o vestido de outra mulher. Outra mulher ia costurar o botão da camisa que ela arrancara com os dentes.

- Quer ser só minha? - ela ainda podia ouvir.

Com ele, tinha levado não seu coração, mas seu rim. Transplante bem sucedido. Compatíveis? Nem tanto: fogo de palha. Cansara dela logo, ela nunca soube o porquê. Nem ia saber, nem mais queria saber. Era fato consumado. O fim daquele amor (amor?) era fato consumado também e ela temia desesperadamente consumir-se trancada no quarto por entre as garrafas de vodca.

Ela tinha duas escolhas: submergir e sucumbir a sua própria dor e situação patética ou reerguer-se. Mas como se levantar? Do pó voltara ao pó. Que fazer? Precisava de algo que lhe desse força. Onde buscar? Foi então que descobriu que ele já estava em outra e com outra: em menos de um mês ele já estava com outra mulher. E foi tal fato que lhe deu de volta a sua antiga força. Não, era outra essa força. E nada tinha a ver com amor.

Bela. Pequena. Frágil. Delicada. Olhos mansos. Mãos suaves. Uma aparência de boneca. Sempre controlada e educada. Um andar hesitante. Um jeito de sorrir que quase pedia proteção. Era isso o que se via.

Não manifestava nada em seus belos olhos sem olheiras, nem falava mal do ex-amante. Sua dor - vidro moído guela abaixo - pulsava mais forte do que a vida. Deixava de temer a morte para passar a temer a vida. Mas quem devia temer pela própria vida não era ela.

Dizem que mulheres preteridas são perigosas, porque se não tiver quem as vinguem, vingam-se elas mesmas. E foi o que decidiu fazer. Com muita discrição, naturalmente. Era uma dama: impecável e implacável.

Dizem que nos menores frascos estão os melhores perfumes. E os melhores venenos. A letalidade está nas veias de quem sente. Ou no coração que pára. Ou nos lábios de quem espuma.

2 comentários:

renatocinema disse...

Amei esse conto, verídico ou não.

Uma reflexão que vale a todos nós.

Tenhamos coração de pedra ou veneno na alma. Não importa, todos passam por isso.

Mari disse...

Nossa, amei demais!!!