sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Underwater, Under our skin

Tema da semana: Nelson Rodrigues 

E é um tal de abafar o que se sente. Não é bonito, não é conveniente. Para que insistir?

O problema não é o bom-senso. O problema é fingir que as coisas não estão lá quando estão. E olhar feio o outro quando fazemos a mesma coisa. Porque é fácil praguejar contra quem faz as coisas que morremos de vontade de fazer. É uma certa inveja, sabe? Inveja porque o outro assume e leva a público o que conservamos na alcova, no íntimo encardido e sufocado. Tudo pelas aparências, pela reputação. Um nome a se zelar. Uma posição. E nos afogamos por medo de deixar um outro lado nosso vir à tona.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Curupaco

Tema da Semana: Nelson Rodrigues

Olívia era uma balzaca. Mulher franzina de 1,50 m, cabelos no ombro e vestido florido. Todos os dias pegava dois ônibus para ir trabalhar e dois para voltar. Não tinha namorado, família ou amigos. Reservada, não gostava de intimidade.

A alegria de Olívia era Curupaco, seu papagaio de 3 anos. Todos os dias antes de trabalhar ela o alimentava e conversava com ele. E como conversava. Os vizinhos podiam ouvir cada frase de carinho proferida pela dona à sua ave de estimação.

- Curupaaaaaaaaaaaaaaaaaco, graciiiiinha, fala comigo curupaaaaaco.

A amplitude da voz de Olívia alcançava a oitava, era mais aguda que a própria Mariah Carey no auge de sua carreira. Felipe, vizinho de 3 anos de idade de Olívia pedia todos os dias para a mãe deixá-lo ir na casa de Olívia e pedir para que ela quebrasse uma taça com a voz, ele tinha visto na tv que isso funcionava.

Quando voltava do trabalho, era com o mesmo carinho e agudeza de voz que a franzina mulher tratava Curupaco. Há dois anos e meio ela tinha redobrado a atenção ao penoso pois ele tinha parado de falar. Quando ele chegou à sua casa, há 3 anos, ela lhe ensinara como falar o seu nome, mas depois Curupaco fechou o bicho e nunca mais abriu. Nenhum barulho, palavra, pio. Nada.

Certo dia Olívia teve uma confraternização no trabalho e se sentiu responsabilizada a ficar, festa de trabalho era um compromisso profissional, pensava ela, pegando dois ônibus, chegou em casa quase meia noite.

Abriu a porta e disparou:

- Curupaaaaaaaaaaaaco, cade você, curupaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaco.


Para sua surpresa a porta da gaiola estava aberta. Já ia correr desesperada quando viu o bicho empuleirado em cima do sofá, respirou aliviada.

- Meu Curupaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaco, saudaaaaaaaaaaaaaaaaaade de você.

Foi então que notou os olhos,grandes como seria impossível um papagaio ter. As penas arrepiadas e o bico entreaberto.

Sentiram falta dela no trabalho no segundo dia. Olívia não era o tipo de mulher que faltava do trabalho sem dar satisfações. Temeram pelo pior, franzina daquela forma, só podia ser doente, decerto morreu de infarto no banheiro.

Arrombaram a porta, ensaguentada no chão, Olívia, o que era aquilo? Mordidas? Pareciam ter arrancado pedacinhos do seu corpo, aos montes, o que seria?

Gaiola aberta, na parede escrito a sangue em traço muito fino e pequeno:

- Voz aguda nunca mais.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A vida como ela é...


                                                                                   Tema da semana: Nelson Rodrigues





Todo dia um texto diferente a ser decorado, todo dia uma função igual, mas distinta, passamos pela vida a procura de novos atores para nosso espetáculo, novas falas para nossos diálogos, mas sempre são os velhos sentimentos que persistem.

Sentimentos de extrema necessidade!

Necessidade de sorrir, de chorar, de acreditar ou até mesmo lamentar, pois que não seria a vida sem estes “estímulos”, seria uma vida vazia, sem nuances ou apenas a espera de ser vivida?
Seria assim “A vida como ela é...”, mas sem a graça das cores vivas ou mortas de todos os nossos longos dias...

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Toda Nudez

Tema da semana: Nelson Rodrigues






Cospe a moralidade. O que em 1970 era escândalo hoje ainda é um susto. A moralidade é grossa, longa e forte. Engole um pouco da liberdade e do pensamento. Quando é esfregada na nossa cara, pensamos em fechar os olhos, olhar para o lado, fingimos não ver e por isso qualquer cena incomoda. A nudez incomoda: seja do corpo ou dos sentimentos mais selvagens, sem a pintura humana. A vida como ela é. 

sábado, 22 de setembro de 2012

vida sobre papel


Tema: drogas alternativas.




Traço o achado, a saudade, o encanto, a beleza, o triste, o feio, a vontade, o sonho... E os guardo. Alguns depois ganham outros donos, ou vão para o lixo, mas a maioria não, e fica lá na minha estante colorida, recolhida nas pastas que só verão luz na próxima fuga ou catarse. Pois é, eu desenho. 


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Poesia secreta


Tema da semana: drogas alternativas.



Ir comer pastel. É sair e pôr o pé na feira. A feira me traz um não sei o que de paz. Pura e simples paz. Não sei se são as cores de pimentões, repolhos, tomates, maçãs, peras e outras frutas vegetais verduras. Não sei se é o cheiro de coentro, pimenta do reino, temperos, rosas, pastel. Não sei se são as pessoas com seus carrinhos, os feirantes com sua presteza, as pombas com sua despreocupação.

Deve ser a poesia secreta da feira que sossega o meu coração.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Água e Sabão


Tema da semana: drogas alternativas.



Tem gente que come chocolate. Bebe cachaça. Fuma maconha. Vai no puteiro. Estoura bolinhas. Vai ver o mar. Anda de bicileta. Come todos os bombons da caixa. Mergulha no mar. Corre 10 km. Bebe uma garrafa de vodka e outra de tequila. Faz tricot. Joga paciência spider. Toca contra-baixo. Grita. Dança até o chão. Malha até desmaiar. Come até estourar. 

Eu lavo roupa e canto. Esfrego, torço, enxáguo. Canto alto e mais alto e mais alto. Depois tomo um copo de coca-cola bem gelada e pronto, passou. Meu divã é o tanque, meus terapeutas, a água e o sabão. A música é bem vinda pra deixar tudo mais divertido e fazer a hora passar mais depressa.

Não sei dizer se enquanto esfrego minhas calcinhas eu penso nas sua mentiras e nos meus desejos. Não sei dizer se eu escolho Chico Buarque ou Amy Winehouse pra cantar, depende. O que sei é que quanto mais cheio está o cesto de roupas sujas, mais eu tenho coisas pra lavar dentro de mim. E a medida que ele vai esvaziando eu vou ficando mais leve. Parece que penduro junto com cada peça no varal um pedaço das minhas tormentas e elas secam com o vento, com o tempo. 




domingo, 16 de setembro de 2012

"Are you happy when you're sleeping?"

Tema da semana: drogas alternativas.






Se sou feliz enquanto durmo? Não pouco. Apenas muito. 


Sou extremamente feliz dormindo. Trocaria a vida real por horas de sono ininterruptas. Dormiria sim, pra fugir da vida eternamente.

Só não o faço frequentemente porque o sono acaba. E porque já estou cansada de saber que os problemas continuam quando desperto.

É o grande mal de qualquer tipo de drogas... Sejam ilícitas, lícitas, ou alternativas... Um dia o efeito acaba e somos obrigados a “acordar” pra vida real. =(

sábado, 15 de setembro de 2012

Desculpe!


Tema: cadê sua etiqueta?




Eu aprendi a usar os talheres, a não falar com a boca cheia, a deixar o dedinho comportadamente abaixado ao segurar a xícara, e toda essa convenção social. Mas eu acho chic mesmo é ser adaptável! Vai que um dia eu tenha que arrotar para agradar meu anfitrião; ou tenha que ligar o "modo selvagem" para caçar o alimento que comerei com as mãos e ainda limpar o sangue da boca na manga da minha blusa?!


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Dá pra ser condizente com o que esperamos da sua etiqueta?


Tema da semana: Cadê sua etiqueta?


Eu tenho essa cara de boa moça de família que me irrita. Tenho uma cara de professora que só ficou mais intensificada com o recente uso do óculos. Pronto, fui etiquetada. Às vezes, eu sinto que não tenho muita escolha: tô na roda viva, tenho que dançar.

Dançar eu até danço, mas a coreografia é minha, os passos são meus.

Já ouvi algumas vezes:

- Nunca pensei que você...

Pois é. Aí eu abro um sorriso largo, dou uma baforada do meu cigarro imaginário, às vezes, até vou embora. People take us for granted - e não há nada mais frustrante. Mas eu não me chateio mais com isso.

Se meio mundo quer me etiquetar, por que não deixar todo mundo de boca aberta, sem fala, ao perceber que sou mais (e posso mais) do que a etiqueta que me colaram na cara?

Acho insuportável o exame que diz que estou acima do meu peso assim como aqueles que acham que conhecem a minha natureza por conta de meia dúzia de conversas. Se quiserem me por uma etiqueta, que ponham, mas sou eu quem terá o prazer de fechar as bocas alheias com ela.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Quase uma Glória Kalil


Tema: Cadê sua etiqueta?


Eu aprendi direitinho como uma moça bonita deve se comportar: peço licença, dou bom dia, não falo de boca cheia, não apoio os cotovelos na mesa, falo baixo, não uso roupa curta na Igreja, nem no Hospital, nem na Escola.Não me sento de pernas abertas. Não vou de decote pro trabalho. Não faço barraco. E nunca, jamais, em hipótese alguma, falo um palavrão. Não pode, é feio. 

Juro que é tudo verdade, até eu te conhecer um pouco melhor. Até você me deixar à vontade. Esse é o problema. 

Caralho, falei demais!

Oops. 
;)


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

No lixo

Tema da semana: Cadê sua etiqueta?



   
  
A etiqueta da blusa eu tiro. A da calcinha também. Fica aquele negócio escrito um número, um P, um M ou um G, uma marca, feita de algodão ou não, dizendo se pode jogar na máquina de lavar ou se deve ser lavado a mão. Não quero, não gosto, me coça as costas, me dá alergia, não serve pra nada. Pego a tesoura e corto. Minha etiqueta está no lixo.

E a vida faceira vem querendo me pregar outras etiquetas, as mais pesadas, as que grudam na pele feito tatuagem, as que parecem vir escritas na minha testa. Vem dizer o que devo fazer e como devo me comportar. Esquisito é ceder na grande maioria das vezes, esquisito é não poder cortar com tesoura a etiqueta dos olhos das pessoas. Eu que quando consigo livrar-me do padrão das etiquetas uso como tesoura a dignidade, que em seguida se quebra, fica em pedaços. O que fortaleço é a liberdade. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Eu cortei.


Tema da semana: Cadê sua etiqueta?



Não me lembro mais da minha composição. Eu não tenho tamanho. Não sei quanto custei. E se quiser levar pro sentido figurado, pode ser que eu também não tenha modos.

Se você precisa de todos esses detalhes, talvez você precise de uma pessoa diferente de mim. Eu não tenho marca. Talvez eu tenha marcas... mas provavelmente isso também não te serve.

Eu cortei todas as etiquetas, dispensei todos os rótulos, dispenso todo mundo que me faz sentir que não sirvo o tempo todo. Não posso dizer que me traz liberdade, mas diminui o incômodo. Etiquetas sempre me incomodaram, sempre cortei as das roupas... Agora também corto as minhas, e corto as pessoas que se apegam a elas.  

sábado, 8 de setembro de 2012

das intransponíveis


Tema: tinha uma pedra no meio do caminho.




Acordou cedo e, como de costume, saiu adiantadíssima para apanhar o ônibus. Se tivesse ao menos suspeitado do que aconteceria, teria parado meia horinha para fazer o desjejum com os pais.

Mas se foi, e com ela toda a sua capacidade de sorrir fácil e sonhar_ pensava depois.

Ele tinha uma arma, e transformou aquele dia comum numa vida de pesadelo. Não conseguiu gritar ou fugir, foi jogada no carro junto com sua amiga de 11 anos, sendo ambas humilhadas com o terror que só humanos são capazes de causar a outros.

E num ato de maldade maior, permitiu-lhes viver, encarcerando-as num mundo de medos maiores dos que os próprios da sua adolescência...


*baseada em uma história que chocou minha cidade.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

De presente


Tema da semana: No meio do caminho tinha uma pedra.



Eram várias, na verdade. Era o caminho esburacado: as pedras fora de lugar. Tudo fora de lugar. Não tem como desviar. Abraço a pedra, as pedras. São belas e brancas, sinceras, belas, ásperas e intratáveis. Já habitaram meu sapato, fora de lugar, e agora me encaram serenas, minha bicicleta sacolejando. Mas a minha paz é grande, é tanta. Pedra, papel, tesoura. Te embrulho e boto um fitilho cor-de-rosa.



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Seja Pedra, Pedrinha ou Pedregulho...


Tema da semana: No meio do caminho tinha uma pedra.





Fulana: No meio do caminho veio outra pedra amiga, ai essa era pior que a outra, era bem maior sabe, até mais carregada e dura.

Sicrana: Hum... E ai?

Fulana: Ai que eu peguei ela, coloquei de lado sabe, mas ainda rolava para perto de mim, parece que só atraio isso, essas pedrinhas, essas coisinhas sabe. Ai que podre!

Sicrana: Mas espera, você disse que acha que só atrai isso, de certa forma já encontrou o problema.

Fulana: Pois é me dei conta disso, fazer o que?!

Sicrana: Fazer o que?! É isso então, você acha que atrai esses pedregulhos e vai continuar assim?

Fulana: Há, mas... (pensamentos voam)

Sicrana: Se você encontrou o ponto falho, metade do problema está resolvido, cabe a você retirar e não aceitar as pedras...

Na vida as pedras vão surgir de todos os lados, algumas mais pesadas e grandes, outras mais leves e pequenas, removê-las é parte da sua função como ser humano, ignorá-las para viver melhor, será sua função eterna e aceita-las terá conseqüências.



segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ser Pedra




Se fosse só uma pedra tudo bem, mas são pedras diárias, várias, de diferentes formas e tamanhos. E pedra é pedra: é dura, sem vida, de formato estranho que pode ser grande ou  pode ser pequena,  mostrando que já foi pedaço de algo grande, mas que com o passar do tempo se desprendeu e perdeu-se por aí na vida. É pedra. Se bater na gente dói. Pode fechar o caminho, esconder a luz e deixar sem saída e no escuro. Pode ser o fim do caminho. E a água pode bater, bater, bater até que fura – mas demora, anos e anos, milhões de anos. Acho que pedra é careta, antiga e teimosa. Sendo pedra perdeu um pouco da mocidade, da leveza, ficou presa e fragmentada. Perdeu vida e fica parada, acostumada com sua atual situação de pedra pesada. 

domingo, 2 de setembro de 2012

"No meio das pedras tinha um caminho"


Tema da semana: No meio do caminho tinha uma pedra.



No meio do caminho tinha uma pedra. Uma pedra muito grande. Então ela desviou, contornou a pedra e voltou pro caminho.

No meio do caminho tinha uma pedra. Uma pedra pequenininha. Então ela colocou no bolso, pra usar em seu estilingue, quando precisasse.

No meio do caminho tinha uma pedra. Uma pedra média. Ela rolava de um lado pro outro e a menina não conseguia desviar. Vez ou outra ela rolava por cima da menina e a deixava prensada no chão... Essa pedra era muito chata, mas a menina não podia fazer nada, então ia lidando com ela e seguindo em frente, como podia. O importante era continuar seguindo o caminho, mesmo que precisasse se desgrudar do chão e correr da pedra.