domingo, 5 de setembro de 2010

Carta ao Pai - Franz Kafka

Eu me apaixonei por esse livro em um dia de junho de 2010 (quem nunca se apaixonou por um livro, deve experimentar, é muito mais produtivo do que a maioria das paixões por seres humanos). É um livro triste e eu estava em um dia bem feliz. O livro me doía de modo que eu pensava até em parar a leitura, porque eu queria curtir aquele momento de empolgação com a vida, mas, ao mesmo tempo, eu não podia parar, porque era muita verdade, uma verdade que doía de um jeito bonito, se é que vocês me entendem.

O livro é um desabafo, desencadeado pela reprovação do pai de Kafka quanto a seu noivado (terceiro noivado, mas sua segunda noiva, se não me engano), desabafo que condensa toda a frustração do filho em relação ao pai. A carta nunca foi enviada, e embora pareça em certos momentos uma carta de acusação, na minha opinião não se trata disso. Parece mais uma tentativa de justificar porque a relação dos dois os separou. Também não foi uma crise adolescente, uma vez que  o moçoilo já tinha 36 primaveras.

Na minha concepção, o pai de Kafka era um homem muito diferente do filho, e das filhas também. Como a maioria das pessoas, ele não soube lidar com as diferenças. Ele amou os filhos, mas as relações não foram bem sucedidas, e talvez tivessem sido se os filhos fossem mais parecidos com ele (o que reflete o lado narcisista de se trazer alguém ao mundo). Pais que esperam filhos iguais a eles, porque acreditam que há “apenas uma maneira certa de ser”, muitas vezes se afastam dos filhos, sem nem mesmo perceberem; outras vezes os filhos se afastam, para não sentirem culpa por serem diferentes; as separações podem ocorrer, ainda que exista amor dos dois lados.  Nem sempre o amor basta, as relações são muito mais complexas, e as pessoas são muito delicadas.

Preciso reler o livro, pois talvez minhas interpretações sejam fruto de uma big viagem na maionese, mas, de qualquer forma, acho que é um livro indicado a qualquer um que tenha planos de ter filhos. Claro que Kafka não era qualquer um, além disso, ser pai de um gênio deve ser muito mais complexo do que ser pai de um mero mortal, e o Kafka Pai também era dono de uma bruta personalidade, mas enfim...  O livro é uma delícia para qualquer um que seja curioso, sentimental ou pseudo-atormentado (e aí, vocês se enquadram?) . 

Deixo para vocês alguns dos meus pedacinhos preferidos:

“Eu teria precisado de um pouco de estímulo, de um pouco de amabilidade, de um pouco de abertura em meu caminho, mas em vez disso tu o obstruíste, por certo com a boa intenção de me fazer percorrer um outro caminho. Mas para isso eu não servia.”

“A coragem, a determinação, a confiança, a alegria nisso e naquilo não se sustentavam até o fim, quando tu eras contra ou mesmo quando a tua oposição podia ser meramente presumida; e ela podia sem dúvida ser presumida em quase tudo o que eu fazia.”

“...era como se tu não tivesses a menor noção da tua força.”

“É sobretudo um curioso equívoco tu acreditares que nunca me submeti à sua vontade... Pelo  contrário: se eu tivesse me obedecido menos, tu por certo estaria muito mais satisfeito comigo.”

“O que me arrebata mal te toca e vice-versa, o que para ti é inocência pode ser culpa para mim e vice-versa, o que em ti pode não causar nenhuma consequência pode ser a tampa do meu esquife.”

Um comentário:

Daniel Savio disse...

Engraçaço, pois muita vezes basta uma palavra contraria para nos separar de que amamos...

Fique com Deus, menina Ana B.
Um abraço.