quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Curupaco

Tema da Semana: Nelson Rodrigues

Olívia era uma balzaca. Mulher franzina de 1,50 m, cabelos no ombro e vestido florido. Todos os dias pegava dois ônibus para ir trabalhar e dois para voltar. Não tinha namorado, família ou amigos. Reservada, não gostava de intimidade.

A alegria de Olívia era Curupaco, seu papagaio de 3 anos. Todos os dias antes de trabalhar ela o alimentava e conversava com ele. E como conversava. Os vizinhos podiam ouvir cada frase de carinho proferida pela dona à sua ave de estimação.

- Curupaaaaaaaaaaaaaaaaaco, graciiiiinha, fala comigo curupaaaaaco.

A amplitude da voz de Olívia alcançava a oitava, era mais aguda que a própria Mariah Carey no auge de sua carreira. Felipe, vizinho de 3 anos de idade de Olívia pedia todos os dias para a mãe deixá-lo ir na casa de Olívia e pedir para que ela quebrasse uma taça com a voz, ele tinha visto na tv que isso funcionava.

Quando voltava do trabalho, era com o mesmo carinho e agudeza de voz que a franzina mulher tratava Curupaco. Há dois anos e meio ela tinha redobrado a atenção ao penoso pois ele tinha parado de falar. Quando ele chegou à sua casa, há 3 anos, ela lhe ensinara como falar o seu nome, mas depois Curupaco fechou o bicho e nunca mais abriu. Nenhum barulho, palavra, pio. Nada.

Certo dia Olívia teve uma confraternização no trabalho e se sentiu responsabilizada a ficar, festa de trabalho era um compromisso profissional, pensava ela, pegando dois ônibus, chegou em casa quase meia noite.

Abriu a porta e disparou:

- Curupaaaaaaaaaaaaco, cade você, curupaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaco.


Para sua surpresa a porta da gaiola estava aberta. Já ia correr desesperada quando viu o bicho empuleirado em cima do sofá, respirou aliviada.

- Meu Curupaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaco, saudaaaaaaaaaaaaaaaaaade de você.

Foi então que notou os olhos,grandes como seria impossível um papagaio ter. As penas arrepiadas e o bico entreaberto.

Sentiram falta dela no trabalho no segundo dia. Olívia não era o tipo de mulher que faltava do trabalho sem dar satisfações. Temeram pelo pior, franzina daquela forma, só podia ser doente, decerto morreu de infarto no banheiro.

Arrombaram a porta, ensaguentada no chão, Olívia, o que era aquilo? Mordidas? Pareciam ter arrancado pedacinhos do seu corpo, aos montes, o que seria?

Gaiola aberta, na parede escrito a sangue em traço muito fino e pequeno:

- Voz aguda nunca mais.

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