sexta-feira, 16 de março de 2012

Amor

Primeiro, foi a mão dela que ele precisou. Depois o braço e um pé (para pisar firme) e eis que ela passou a mancar. Depois veio o rim, um pulmão, seus ouvidos, o coração. E ele, que era vazio, logo foi preenchido de tudo aquilo que ela possuia. E ela foi se esvaziando, mal parava em pé.

Ela sabia, como ninguém, viver de migalhas. E ele, só sabia da abundância. Ele não sabia dar e ela não sabia receber.

Ela se desprendia de tudo com uma facilidade notável e assustadora. O golpe final veio quando cortou seus longos e belos cabelos para vendê-los, pois ele precisava de dinheiro.

Quando ele a deixou, percebeu que ele tinha levado também seus intestinos e ela já não podia se livrar das fezes que foram se acumulando em seu ventre. Já não podia se livrar das coisas ruins, da sua mágoa, da sua raiva, da sua tristeza.

Meio morta, a moça zumbi, cansou da descrença que corroía as suas pernas como grangrena. Numa bela tarde de sol, livrou-se do resto, do pouco que sobrara: entregou seus destroços aos cachorros da rua em que ele morava.

3 comentários:

Nara disse...

Quando se ama sozinho.

renatocinema disse...

Que profundo.....dolorido e poético.

Daiany Maia disse...

E isso acontece todos os dias, bem ao lado da nossa casa